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COMO JÁ DISSERA ALGUM POETA:  Memória é Território Dos Saberes...

                                                                                                                                                                         

                                                                                                                                                                  Cristiano Cardoso

                                                                                                                                                               Diretor do Museu Casa do Sertão

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     Pode algo ser tão ambíguo, confuso e até duvidoso como a memória? Há quem diga que este substantivo feminino tomaria nas diversificadas sociedades humanas e ao longo dos tempos, posicionamentos distintos e por conveniência, o seu uso foi sendo chancelado seja ele de modo tópico, distópico ou mesmo utópico.  

 

    Destacar a condição tópica da memória, é trazê-la para o lugar comum, afeito a banalidades, clichês e estereótipos, e em seu nome possibilitar o encaixe de percursos no sistema mundo. Já como recurso distópico a memória é requerida enquanto crítica a fim de implantar desconfortos, visões de precariedade anterior e assim, exercer pelo discurso autoritário certa pressão e controle. Por fim, vislumbrar na memória o elemento utópico é habitá-la com o imaginário e a fantasia para trazer significados simbólicos a relação entre o eu e o outro, divagando na meninice que persiste em existir no obscuro interior de cada um.

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    Se de uma visada lógica ocidental, memória retrata uma operação cerebral no Hipocampo que envolve aquisição, armazenamento e recuperação de fatos, ocorridos no passado que deliberadamente são vinculados ao presente. Outrossim, de um ponto de vista lírico, “memória é perfume”, um conceito inebriante que invade, remete a sensações e vivências, ativa sentimentos, desejos e motivações no ato de recordar.  

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Mas, é no campo coletivo, e em especial das sociedades indígenas, que ela esboça uma das suas mais vigorosas possibilidades, tendo em vista que “persistindo a memória” alargam-se a gramática de saberes, bem como a arena de disputas e negociações. Aqui a palavra dá sentido a reafirmação identitária étnica que por muito tempo foi brutalmente silenciada, e simboliza nas percepções e representações, o combate a constantes discriminações e preconceitos.

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     Mote que opera em múltiplas variáveis a recusa a prerrogativas do determinismo e atenta-se inclusive, a usual instrumentalização da cultura, enquanto ferramenta hegemônica, compensatória ou de favorecimento; para enfatizar além do protagonismo dos povos originários, nossa permanente condição enquanto aprendizes, sobre o que o outro tem a dizer a respeito de suas memórias.

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     Pressupõe-se que entorno do que convencionamos chamar de memória órbita um emaranhado de incertezas e diversificadas tramas, e por isso mesmo, ela é considerada como algo abrangente, multidimensional e complexa, que carece entre o seu pensar, da constante retroalimentação, advinda de modelagens captadas nas metáforas, significâncias e compreensões, projetadas sobre a realidade e perceptíveis na multirreferencialidade que a anima, (ao mesmo tempo que memória é, ela é influenciada por....).

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     Assim, ao pensar “o tempo de brincar” enquanto dispositivo de memória e expositivo, busca-se destacar nessas riquíssimas práticas cotidianas, aspectos tão caros e fundamentais a formação humana como a criatividade e a interação, permeando nesse brevíssimo panorama estético sobre o universo no lúdico dos povos indígenas, a possibilidade de visualizar a constante dinâmica de aprendizagem, visto que “é brincando que se apreende e esboça valores entre pessoas e o ambiente”, tanto por meio dos vestígios materiais, ao manusear os elementos da natureza (símbolos-objetos-brinquedos) como pelas vivencias imateriais (cognitivas) ocorridas nos rios, nas matas, individuais ou coletivamente.

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